Foi divertido criar o roteiro e produzir esse video. Totalmente caseiro, deu trabalho, mas gostei da experiência.
http://www.youtube.com/watch?v=YMIqaMrYSL8&feature=youtu.be
Parece uma colcha de retalhos, mas tem como espinha dorsal a condição das cidades desde o século XIX: industrialização, adensamento, desconforto, novas ideias, idolatria à arquitetura monumental em detrimento do cotidiano dos cidadãos… Coisas com que convivemos ainda hoje.
A aventura desse video vem em resposta a um desafio acadêmico de interpretar de maneira alternativa um texto do arquiteto holandês Rem Koolhaas, escrito em 1995, intitulado Whatever Happens to Urbanism, que pode ser visto em sua íntegra em http://www.jstor.org/stable/4091351.
A tradução livre que fiz dos trechos adiante reflete nossa insegurança como urbanistas e aponta caminhos para nossa atuação nessa nova realidade. Os negritos são meus.
Este século vem travando uma batalha com a questão da quantidade. Apesar das promessas iniciais, esse urbanismo praticado tem sido incapaz de inventar e implementar na escala demandada, em face da demografia apocalíptica. Em 20 anos, Lagos cresceu de 2 para 7 para 12 para 15 milhões (de habitantes); Istanbul dobrou de 6 para 12 (milhões). A China se prepara para uma multiplicação ainda mais atordoante.
[…] A promessa alquimística do Modernismo – de transformar quantidade em qualidade por meio de abstração e repetição – falhou, foi um logro; uma mágica que não funcionou. […] O que faz essa experiência desconcertante e (para os arquitetos) humilhante é a persistência do desafio da cidade e seu aparente vigor, apesar do fracasso coletivo de todas as iniciativas que sobre ela atuam ou tentam influenciá-la – criativamente, logisticamente, politicamente. […] Cada desastre profetizado é de alguma maneira absorvido sob a infinita proteção urbana.
A urbanização alastrante modifica a própria condição urbana reconhecida. “A” cidade não existirá por muito mais tempo. […] Para os urbanistas, a tardia redescoberta de que as virtudes da cidade clássica definitivamente não mais se aplicam tornou-se um ponto de não retorno, um momento fatal de desconexão, de desqualificação. Agora eles são especialistas em doenças fantasmas; doutores discutindo as soluções médicas para um membro amputado.
A transição de uma posição formal de poder para uma situação de relativa humildade é difícil de aceitar. Insatisfação com a cidade contemporânea não é um caminho para uma alternativa confiável; pelo contrário, isso inspira apenas mais caminhos para articulação da insatisfação.
A profissão persiste em suas fantasias, ideologia, pretensões, ilusões de atuação e controle, e por isso é incapaz de conceber novas intervenções mais modestas, parciais, realinhamentos estratégicos, comprometimento com um posicionamento que possa influir, redirecionar, ser bem sucedido em âmbito limitado, reagrupar, recomeçar, mas nunca restabelecer o controle. […]
Se houver um “novo urbanismo” ele não se baseará nas fantasias gêmeas da ordem e da onipotência; ele será uma plataforma de incerteza; ele não será mais relacionado ao arranjo de mais ou de menos objetos permanentes, mas à irrigação de territórios com potencialidade; em breve deixará de ser alvo para configurações estáveis e sim para a criação de campos capazes de acomodar processos que se recusam a se cristalizar em formas definidas; não será mais objeto de definições meticulosas, de imposição de limites, mas de noções de expansão, de negação de limites; não sobre separação e identificação de entidades, mas de descoberta de inomináveis híbridos; ele não será por muito tempo obcecado pela cidade mas pela manipulação de infraestrutura para densificação e diversificação sem limites, curto circuitos e redistribuição – a reinvenção do espaço psicológico. Como o urbano passa a ser esparramado, o urbanismo não poderá tratar do “novo”, mas do “mais” e do “modificado”. Não tratará mais do civilizado, mas do subdesenvolvido.
Como está fora do controle, o urbano passa a cuidar de se tornar um vetor principal de imaginação. Redefinido, o urbanismo não será somente, ou principalmente, uma profissão, mas uma maneira de pensar, uma ideologia: de aceitar o que existe. Nós temos feito castelos de areia. Agora nós nadamos no mar que os varre. […]
O que acontece se nós simplesmente declararmos que não há crise – redefinirmos nossa relação com a cidade não como construtores, mas como simples súditos, como seus auxiliares?
Mais do que nunca, a cidade é tudo o que temos.
KOOLHAAS, Rem. Whatever hapenned to urbanism? O.M.A., KOOLHAAS, R. e MAU, Bruce.S. M.L. XL. E.U.A.: Monacelli Press, 1995.